quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Sabonetes e os limites da coerção



Começo por reduzir (e existiria outra forma de análise?), existem três tipos de propaganda: as que nos tratam como pessoas normais; as que nos induzem ao sonho, a forma tradicional; e as que nos deprimem, uma espécie de exacerbação doentia da máquina de sonhos.
A fórmula mais comum nos transporta para o campo das idéias, da perfeição; dos corpos, mentes e vidas perfeitas: tudo o que desejamos. Me corrijo... O que todos deveríamos pensar que desejamos. Aquele lengalenga sem defeitos do american dream. Do artificialmente belo e feliz. Para resumir, Barbie e Bob numa mansão em Malibu, com um familiar Volvo último modelo e um Mustang vermelho conversível na garagem. Tudo sorrisos, sem preocupações ou falhas. Mundo inalcançável para qualquer um. Isso ainda vende, inegável. Quem não quer ser Apolo e viver no Olimpo? Quem não quer ter um Cartier, roupas de marca, dirigir um Jaguar e morar na Park Avenue? Ter status, altura e peso, cara e proporções idealizadas? Tudo isso está disponível, graças à democracia moderna, desde que tenhamos dinheiro e disposição para comprar. Mas tanto tempo de exposição talvez tenha tornado parte dos consumidores imune a tal forma de comunicação. Muita coisa mudou desde a invenção do controle remoto. Levando a forma tradicional a apelar para a velha “sutileza” do merchandising (alguém pode me contar quantas vezes a marca Fedex aparece em “O Náufrago”?), aos rumores do marketing viral e buzz marketing, a exploração das novas mídias, ou simplesmente a hipocrisia descarada do marketing social.
O que nos leva às propagandas que nos tratam com respeito, nos admitem como normais, humanos falhos. Doves e outros exploram o nicho. A linha de campanhas da marca de cosméticos é admitida fenômeno, uma “nova maneira de se fazer propaganda”. Mas imagino que sua força está no ineditismo, e se o grosso da indústria adotar o modelo, as vendas cairão. Afinal, pessoas satisfeitas compram menos. Sem contar o risco existente de, depois de todo aquele esforço para se demonstrar bonzinho, social e ecologicamente responsável , a verdadeira natureza (ou sua falta) do negócio seja revelada.
Nos debruçaremos sobre a terceira, a forma de propaganda que nos diminui. A pior forma. Já muito usada, mas tenho medo de que esteja se tornando mais comum. A do tipo que não nos quer, de maneira quase ingênua, além, como Apolos ou Dianas, mas que tentam nos rebaixar do estado em que nos encontramos, indo direto contra nossa auto-estima, nos entupindo de culpa e medo de maneira mais explícita e violenta. Responda você, consumidor: Escovou os dentes ao acordar, mas comeu um pão de queijo no café da manhã? Cuidado. Tem seus filhos brincando no parque, com toda aquela areia carregada de vermes e bactérias, sem que ele esteja protegido por determinada marca? Todas aquelas perguntas que, de maneira subliminar (não no sentido conspiratório, mas no de falta de consciência crítica, perdida em algum lugar na velocidade e caos da vida moderna), nos colocam explicitamente em cheque, como bostas, sem ter outra alternativa senão adquirir o produto que nos oferecem. São essas as mais perniciosas formas de vender.
“A insatisfação faz comprar” é a principal fórmula do marketing em forma de anúncio, nada de novo até aí. Mas existe bastante diferença entre o “você poderia ser perfeito” da propaganda ordinária do “é melhor você me comprar para deixar de correr perigo (ou de ser medíocre)”. Ambas possuem a mesma essência, o que muda é a intensidade; enquanto uma é insinuante, a outra é coercitiva. É mais violenta. Beira a extorsão.
Indignação, zapping e aceitação das imperfeições são nossa resposta para a mensagem excessiva, o que faz a maneira ortodoxa de fazer comprar perder eficiência. Podemos estar começando a ficar imunes. O estilo Dove é clara adaptação; de maneira hipócrita ou não, admite nossa realidade imperfeita e procura nos poupar de culpas e neuroses; mas, como dito, se usado em larga escala, é provavelmente inadequado para a manutenção do nível absurdo de consumo em que chegamos. Para o mercado não resta outro caminho senão aumentar a dose, no aprimoramento das técnicas de exploração de medos e angústias (fabricados ou exacerbados artificialmente) de maneiras mais sorrateiras, para que continuemos a comprar e vender como sempre fizemos, de maneira descabida.
Os efeitos disso só saberemos depois, quando uma nova geração de inseguros e neuróticos começar a surgir. Alguém se identifica? Eu sim.



Um comentário:

  1. Não tinha visto essa propaganda. Concordo com o que diz. Esse tipo de propaganda nos choca e daí só temos uma saída. Usar e ficar menos pior. Engraçado como tudo mexe muito com a gente. Todas as propaganda sempre serão assim, tentando vender algo que é fantasioso. Algo que é na maior parte é uma ilusão. E o que somos senão uma grande ilusão?

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