domingo, 15 de fevereiro de 2009

Ícaro e a seta




Para o alto e avante”, é o que o super-homem sempre dizia quando ia salvar os gatinhos dos galhos das árvores. Gráficos existem para que o final daquela pequena linha seja voltada sempre para cima. Balanços, PIBs, superavits, rendas familiares e não sei o que mais; tudo deve apontar para o alto, sem limites. CEOs das grandes, governantes de primeiro e os pobres dos cidadãos, todos concordam, grandes-homens e aspirantes.

Mas pensando racionalmente, aonde esse destino vai dar? Não...Não vou tentar fazer disso manifesto contra o derretimento das calotas polares, o absurdo contraste causado pela riqueza mal dividida e o famoso bolo do Delfim, muito menos me aprofundar nos motivos da nova depressão econômica. O ponto que eu quero abordar é mais abstrato: É realmente possível almejar o crescimento infinito num mundo em que os recursos são limitados? Podemos realmente confiar cegamente na natureza criativa de nossa academia e acreditar que para cada dilema malthusiano uma revolução verde irá naturalmente ser desenvolvida para resolver todos nossos problemas e assim continuarmos crescendo indefinidamente?

Exemplo: se a obesidade foi identificada como um dos maiores males da sociedade moderna, devemos desenvolver novas linhas de produtos diet para passarmos a consumir sem culpa duas vezes mais? Ou, por outro lado, simplesmente reduzir nosso consumo de hamburgueres e afins? Redução ou estabilização do consumo é sempre alternativa desconsiderada, como se não existisse outro caminho senão o trilhado pela ideologia dominante: Para o alto e avante. Devemos ir de bicicleta, de transporte público para o trabalho? Ou dirigir um SUV, permanecer horas engarrafados no trânsito, gastando litros e litros de gasolina, para no final do dia de labuta caminhar nas esteiras das academias e queimar as calorias dos bamburgueres comidos apressadamente durante o almoço (tempo é dinheiro). Excesso que, devido à otimização do uso de energia da vida moderna, do leve pressionar dos pedais do possante V8 automático, do prático subir e descer por escadas rolantes e elevadores, é inevitavelmente depositado em nossas barriguinhas.

O mesmo pensamento serve também para as grandes organizações, corporações ou governos. Não ouço um dizer: tranqüilo, chegamos a um ponto aceitável, nosso objetivo agora é estabilizar e manter o nível de desenvolvimento que adquirimos. Dirão que num mundo competitivo estagnação é morte. Mas aonde chegaremos se continuarmos a almejar o sol sem limites? Aliás, no universo corporativo, a noção de desenvolvimento desenfreado e predatório leva somente a duas alternativas: o oligopólio (a gangue de tubarões) ou o monopólio (o tubarão alfa que comeu todos os outros); para países esse caminho termina levando ao imperialismo e à dilapidação dos direitos trabalhistas, tudo para que os números não fiquem no vermelho. A economia, os balanços, as bolsas crescem, e tudo isso é muito bom para aquilo que chamam de mercado. Os grandes acionistas podem ganhar potes de dinheiro se as ações da empresa investida sobem porque os engravatados concluíram, como bons garotos de Chicago, que a solução é o paradoxo onde todos podem trabalhar com salários e condições de chineses (podemos mudar nossas unidades de produção para Tijuana, e daí?) e consumir como americanos. E se conseguíssemos vender e revender hipotecas de imóveis já hipotecados como se fossem a melhor das aplicações? Os governos também podem dar uma ajudinha a oligarcas e latifundiários para que produzam resultados que favoreçam a balança comercial e que a seta aponte para cima. Dizem que tudo isso se reverte em emprego, como se emprego fosse essa espécie de semi-escravidão que oferecem para boa parte dos trabalhadores. As grandes federações empresariais não raramente usam o argumento como barganha, e com o aval dos sindicatos, quem diria. Trabalhemos todos como chineses e consumamos como americanos...

A verdade é que uma estabilidade confortável (para todos: indivíduos, organizações, países) deve ser procurada, e os excessos da economia hiper-consumista e predatória abolidos. Alguns (como eu, admito) devem reduzir seu nível de consumo. Nações, especialmente as desenvolvidas, o mesmo; mas sem abrir mão de suas conquistas sociais. E a própria mentalidade de que mais é melhor deve ser eliminada de nosso ideário. Políticas deveriam ser formuladas para se alcançar um grau de desenvolvimento justo para todos, e a partir daí estabilizado; e não voltadas para metas infinitamente crescentes. Não é preciso ter doutorado em economia para perceber que estamos muito próximos do teto; o ambiente e a economia dão claros sinais disso. Não é mais hora de se pensar em crescer, mas sim em dividir. A adolescência da humanidade chegou ao fim, chega de ambições desmesuradas de poder, glória e riquezas; a maturidade nascente deve nos guiar para a estabilização, pois é o único caminho para uma existência longa e prazerosa.

Ícaro caiu porque na sua altivez juvenil rumou para o sol, desejando o clímax, e as asas produzidas por seu pai, Dédalo, feitas de cera, derreteram com o calor da proximidade do astro. O pai, mais esperto, preferiu a altitude de vôo ideal, estável, nem muito alta ou baixa, chegou a seu destino. Já Ícaro se espatifou numa ilha do Egeu.

Pela própria natureza deste blog: caótica, pós-moderna, “movediça” e holística, não consigo conter minha vontade de concluir este post em estilo Deepak Chopra, e ao mesmo tempo prestar homenagem à fantástica Gloria Perez e sua grande obra “Caminho da Índias” através de uma pequena parábola mística muito conhecida vinda daquelas bandas:

Sidarta Gautama, o Buda, em sua busca pela iluminação, durante uma época resolveu adotar radicais práticas ascetas, entre elas um rigoroso jejum. Quando estava totalmente debilitado pela privação, ele, que já tinha experimentado toda a fartura como príncipe, percebeu no rio um barqueiro que ensinava a seu discípulo os segredos de um instrumento de cordas: se muito frouxas, o som produzido era ruído, mas se muito esticadas elas se partiam. Para que a harmonia fosse alcançada as cordas deveriam estar ajustadas de maneira que não estivessem demasiadamente frouxas ou apertadas. O insight aconteceu e Buda percebeu que nem a escassez ou o exagero seriam caminhos para a iluminação. Equilíbrio é a chave. Esse é o caminho do meio.


PS: Essa história de Ícaro me lembra uma companhia de taxi aéreo cujo hangar eu via sempre quando saía do aeroporto da cidade, Ícaro Taxi Aéreo. Não seria melhor Dédalo Taxi Aéreo?


3 comentários:

  1. até que enfim uma postagem sr Gris!!!
    parabéns...
    leio com mais calma no trabalho, minha conexão está uma porcaria!!!

    ResponderExcluir
  2. Como diriam os gregos "a virtude está no meio". É um ótimo ponto de vista este, Gris. O noticiário econômico é pródigo em exemplos de que o crescimento contínuo é o unico caminho desejável. O PIB tem que crescer sempre. Estabilizado é estagnação (ó céus). Em queda, recessão (o horror, o horror).

    O engraçado é que a gente sempre acha que ainda não cresceu economicamente o suficiente, os outros é que tem que reduzir...

    Ótimo 1° post, Gris. Com seus textos vamos alcançar as primeiras posições no Google (ou seria melhor não? Não sei...).

    ResponderExcluir
  3. Acredito que o lema atual do capitalismo selvagem-crescimento ad eternum é o lema do Buzz Lightyear: "Para o infinito e além".

    Custa nada lembrar que a definição do paradigma do novo liberalismo deve-se ao par Nixon-Kissinger, que, ao se opor ao clube de Roma e sua tese do crescimento zero, proporam a pérola do "crescimento sustentável", onde economia (isto é, ganhos) se combinaria ao respeito aos limites intrísecos do planeta. na verdade, uma desculpa para acalmar os ecologistas e manter o status quo econômico.

    ResponderExcluir

Diga alguma coisa!